O que realmente importa: o vinho, o prato, a harmonia perfeita entre eles? Ou o momento em que vinho, prato e afeto se juntam em volta da mesa? Sempre pensei que o que importa mesmo é o afeto envolvido em tudo, e não só as estrelas do chef ou a pontuação do vinho.
Venho de uma família com poucos recursos e o meu gosto por vinho nasceu ainda na minha infância com uma sobremesa nada nobre que a minha mãezinha preparava: sagu com sangue de boi. Bem, mas essa é outra história, cheia de afeto. Com o tempo e com as taças que fui provando, descobri novos aromas, novos sabores, tudo que envolve fazer vinhos, e olha só: descobri que fazer vinhos, entre tantas outras coisas, envolve muito afeto.
Um dia, já aqui no Chile e trabalhando com turismo, ganhei dois vinhos bem pontuados: um Clos Apalta e um Borobo, que alguns de vocês devem conhecer, são duas joias [descobri quando abri]. Foi presente de agradecimento de um turista e eu, feliz e surpresa, aceitei. Chegando em casa pensei: em que momento especial da minha vida vou abrir esses vinhos? Nada me ocorreu na hora, eu só sabia que não queria demorar demais, tinha medo de levar anos para abrir e não gostar dos vinhos. Tinha medo de não guardar da maneira correta e perder os vinhos. Tive medo até das garrafas quebrarem em um terremoto.
E logo veio um momento especial. Foi mais uma despedida e dessa vez da Aline, alguns já conhecem, a minha filha mais velha. Depois de uma temporada de quase um ano aqui no Chile, onde nós vivemos dias intensos assim como o vinho do nosso tchau, ela estava voltando para o Brasil. E ali em volta da mesa, eu, ela e a Giovanna, a minha mais nova que alguns também já conhecem, nos despedimos com um Clos Apalta nas nossas taças – um vinho maravilhoso daqueles que a gente guarda a garrafa vazia.
Mas sei que poderia ter sido qualquer outro vinho, menos nobre e mais plebeu, que o sentimento seria o mesmo: afeto transbordando.