Os vales do norte no Chile: condições extremas


Atacama – Vales do Copiapó e Huasco


Entre os encantos da região norte do Chile, estão as suas praias de areia branca e águas cristalinas, e o maravilhoso fenômeno do “deserto florido”! O fenômeno acontece em anos que as chuvas são acima da média normal e permite que as sementes permaneçam latentes na terra, florescendo quando chega a primavera e formando uma paisagem multicolorida, que é um verdadeiro espetáculo da natureza. Seus três parques nacionais – Pan de Azucar (que protege o delicado ecossistema do deserto costeiro), Llanos de Chaye e Nevado de Tres Cruces – são seus outros atrativos, assim como também a colorida festa da Candelaria, que se celebra anualmente na cidade de Copiapó.

A região do Atacama não tem uma grande importância comercial na elaboração de vinhos, isso porque ela se situa na região mais extrema para o cultivo da uva. Ainda assim, é uma das seis regiões oficialmente reconhecidas pelo Chile e está fracionada em dois vales: Copiapó e Huasco. A região é amplamente conhecida por suas esplendidas condições climáticas para a produção de uvas de mesa e uvas destinadas a elaboração do Pisco e de um vinho doce chamado Pajarete, ambos com denominação de origem.

Ainda que as condições climáticas da região norte não são as mais favoráveis para a produção de vinhos de qualidade, vale a pena ter em conta que já em 1953 o vinho Pajarete tinha a sua denominação de origem criada, uma das mais antigas da América. Seu consumo foi muito popular no passado e hoje, graças ao apoio de iniciativas do governo, os descendentes de antigos produtores estão recebendo um impulso tecnológico para melhorar a qualidade de seus vinhos, elaborados principalmente das uvas moscatel e país. A vinha Armidita com o seu espírito inovador, está colocando de volta este tradicional vinho nas mesas do Chile e do mundo.

O projeto mais ambicioso do momento é o da vinha Ventisquero, com os seus vinhos Tara. Seguindo as ancestrais tradições de vinificação – colheita do cacho inteiro e pisoteio com os pés – a vinha escolheu a franja costeira e desértica, onde plantou 14 hectares em dois setores próximos ao mar. Dessas plantações, elaboram três vinhos secos e de produção muito limitada – algo em torno de 400 garrafas por variedade –  que devem ser dos mais extremos do Chile: uma mescla tinta de syrah e merlot, além de um pinot noir e um chardonnay. As parreiras se beneficiam das brisas que sopram do  Pacífico e da umidade que vem de uma abundante capa de nuvens – conhecida como camanchaca – que ameniza a radiação solar dos luminosos céus do norte.

As condições climáticas da região norte limitam a produção de grandes quantidades, mas estes vinhos marcam uma notável identidade e são uma promissora mostra do que as zonas costeiras podem nos entregar.


Coquimbo – Vales do Elqui, Limarí e Choapa


Seus céus de imensa limpidez são um verdadeiro espetáculo e atrai turistas apaixonados, estudantes e astrônomos, além de grandes e importantes observatórios astronômicos. O turismo é uma importante fonte de ingressos para a região além da mineração, e as águas que descem das montanhas da Cordilheira permitem a agricultura nos três vales. A popular festa de La Pampilla – celebrada todos os anos no mês de setembro –  é uma boa oportunidade para quem quer conhecer um pouco mais da cultura chilena, além dos seus vinhos, claro!

Situada ao sul do deserto do Atacama, Coquimbo é considerada uma região de transição entre o árido norte e o fértil centro-sul do Chile. Na cidade de La Serena é onde se localizam os três vales de plantações, e nos arredores das montanhas da Cordilheira da Costa – fracionada pela desembocadura dos seus três importantes rios: Elqui, Limarí e Choapa – se desenvolve uma importante atividade de cultivo de uvas e produção de vinhos.

Os três vales são ao mesmo tempo tradicionais e modernos. Coquimbo disputa a honra de ter sido a primeira região do Chile – ainda quando ele era colônia dos espanhóis – em desenvolver a atividade vitivinícola. Nas últimas décadas, a região vem aproveitando as enormes bondades de clima e solo para produzir atrativos vinhos de syrah, chardonnay e sauvignon blanc, tanto nas áreas costeiras como nas ladeiras da Cordilheira da Costa.


Vale do Elqui

Uma das características mais marcantes deste vale são os seus céus intensamente claros e  transparentes, o que atraiu importantes observatórios astronômicos internacionais. Mas o vale também se caracteriza por sua geografia de singular beleza e por sua força telúrica. Como a maioria dos vales transversais do Chile, Elqui está marcado por três setores: a franja litoral ou costeira, que está composta por varandas marinhas; a meia montanha com solos pouco férteis; e pelas altas montanhas, setor rochoso onde se originam os cursos d’água. É um estreito e serpenteante vale,  teve um forte desenvolvimento agrícola em tempos pré hispânicos, graças as diversas tribos indígenas que o habitaram em tempos remotos. 

O que marca o cultivo no Vale do Elqui são as plantações de uvas moscatel destinadas a produção de Pisco, seguido do cultivo de uvas de mesa e uvas para a elaboração de vinhos. Duas variedades estão se expressando aqui com muita personalidade: sauvignon blanc e syrah, ambas representam os extremos do vale. A sauvignon blanc se cultiva nas zonas costeiras, de onde se beneficia das frescas brisas que chegam do  Pacífico e das generosas nuvens matinais, e a uva syrah se cultiva nas alturas, onde os ventos que baixam da Cordilheira amenizam o intenso calor que predomina na região. Além das uvas, o vale tem êxito na plantação de frutas cítricas, paltas (abacates) e alguns frutos tropicais.

Algumas vinhas tem os seus vinhedos próprios, mas são poucas as que tem estrutura para fazer a vinificação e a guarda dos vinhos. Uma delas é a vinha Falernia, que foi reconhecida internacionalmente, especialmente por seus excelentes syrah. Subindo pelas montanhas, se encontra a vinha Cavas del Valle – cerca de 1.100 msnm – pioneira no cultivo de uvas (para elaboração de vinho) em altura. Seus vinhos são vendidos diretamente na vinha, pequena e familiar.

Passando pelo último povoado do vale do Elqui e a uns 2.000 msnm, se localiza os Vinhedos de Alcohuaz, um dos mais fascinantes e extremos projetos do Chile. Ali, a família Flaño em sociedade com o reconhecido enólogo Marcelo Retamal, plantou vinhedos que estão entre os mais altos do país. As uvas são moídas de forma tradicional – com o pés – em lagares de pedra, e a vinificação e guarda é feita em uma bodega cravada na montanha, dentro de uma rocha. Um projeto que além de elaborar divinos vinhos, oferece uma experiência fantástica!


Vale do Limarí

O vale se converteu em uma estrela graças a notável qualidade dos seus vinhos! Em tempos pré hispânicos esta zona foi assentamento de povos agrícolas como os diaguitas e molles, cujos os vestígios do artesanato em cerâmica e os petróglifos – gravuras rupestres – são outros importantes atrativos da região.

Igual aos seus vales vizinhos – Elqui e Choapa – o clima na região é semiárido, com chuvas principalmente no inverno. Boa parte da sua agricultura – cultivo de uvas para mesa, vinho e Pisco – tem sido possível graças a um notável sistema de represas e canais conectados entre si, que permite aproveitar de forma eficaz as águas vindas da Cordilheira.

Um dos fatores que contribuem para a qualidade dos vinhos elaborados no Vale do Limarí são os seus ricos solos argilosos e com presença de calcário. O vale também se beneficia da camanchaca – a densa nuvem costeira matinal – ela traz umidade e frescor, e não só permite que o Parque Nacional Bosque Fray Jorge ainda sobreviva (o Parque mantém uma significativa vegetação que alguma vez, cobriu toda a zona) mas também refresca as plantações e ameniza o calor.

Esta perfeita combinação de solo e clima, tem permitido que o Vale do Limarí produza estupendos vinhos brancos e espumantes, principalmente com as uvas chardonnay, além de vinhos tranquilos com as variedades sauvignon blanc, pinot noir, syrah e viogner. O terruá do vale é tão generoso, que a gigante Concha y Toro construiu em Limarí uma bodega para concentrar toda a sua elaboração de vinhos espumantes de alta qualidade. 

Vale lembrar que o Vale de Limarí leva anos sendo golpeado pela seca que já gerou graves perdas aos seus vinhateiros. No entanto, nos últimos invernos com uma quantidade de chuvas mais próxima à media normal, está sendo possível reativar a viticultura e renovar vinhedos envelhecidos e doentes. Ainda que a maioria destes vinhedos estão próximos da franja costeira, tem aqueles que estão se aventurando e subindo as montanhas da Cordilheira em busca de novos terruás. A primeira em se aventurar foi a família Luksic, proprietária da vinha Tabalí e pioneira na viticultura da zona. Estes vinhedos estão plantados a uns 2.000 metros e apesar de serem plantações jovens, seu vinho Roca Madre, elaborado com a uva malbec, já ganhou importantes reconhecimentos da crítica e vem abrindo novas perspectivas aos vinhos da região.


Vale do Choapa

O território deste vale coincide com o ponto mais estreito do país. Desde o mar até o limite com a Argentina, o Chile mede apenas 95 quilômetros de largura. As Cordilheiras da Costa e dos Andes parecem dar as mãos, compondo uma geografia de múltiplos cordões montanhosos transversais, sem espaço para uma planície em seu interior. No geral, o clima da zona é semiárido, mas em zonas montanhosas mais altas, apresenta chuva em forma de neve. Na parte interior do vale, o clima é quente com escassa chuva que só cai no inverno. Os solos desta zona se caracterizam por um intenso conteúdo mineral, e os seus céus de grande luminosidade com poucos dias nublados e uma surpreendente umidade noturna nas noites de verão. A costa é uma zona mais fresca e com presença de nuvens, mas também é seca.

Por séculos a principal atividade do vale foi a mineração, somente nos últimos anos a agricultura tem se desenvolvido, principalmente na produção de frutas cítricas, abacates e uvas – plantações que se beneficiam das frescas brisas que circulam pelos cordões montanhosos vindos tanto do  Pacífico como do alto das montanhas da Cordilheira.

O vale tem uma larga história no cultivo das uvas para a elaboração de Pisco e de alguns vinhos doces – conhecidos como chacolos e pipenhos. Em relação às variedades de uvas finas, Choapa é um dos mais novos do país com um total de 180 hectares plantados. A maior dificuldade de se desenvolver uma viticultura intensa nesta zona é a falta de água, mas das plantações já estabelecidas estão nascendo vinhos notáveis como o Tricahue Syrah da vinha Alpa e o reconhecido Legado Gran Reserva, da vinha De Martino. Vinhos que estão levando ao mundo o nome desta jovem denominação como uma origem especial.


Crédito das fotos @feriasnochile | Fonte de Estudos: Nas minhas andanças e nas palavras de Harriet Nahworld, Vinos de Chile, Editora Contrapunto


 

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